13/10/2015

Em entrevista à BBC Brasil, padre polonês relata drama de 'viver a vida toda no armário´

Charamsa: 'Quem viveu tanto tempo no armário precisa de uma palavra de aceitação, esperança, reconhecimento de sua dignidade'

Em entrevista à BBC Brasil, padre polonês relata drama de 'viver a vida toda no armário, numa quase esquizofrenia de não aceitação de si mesmo. Você não pode imaginar o sentimento de culpa de um gay crente'.

BBC Brasil – Por que o senhor diz que a igreja é homofóbica?

Charamsa – Porque ainda não é capaz de encarar a realidade, não deu o passo dado pela medicina e leis de alguns Estados. Não há nada o que curar na homossexualidade, não é delito ser homossexual. Não se pode viver toda a vida no armário, numa quase esquizofrenia de não aceitação de si mesmo. Você não pode imaginar o sentimento de culpa de um gay crente! A mentalidade cristã fundiu em nós que ser homossexual é pecaminoso e diabólico.

BBC Brasil – Qual é o desafio da Igreja Católica para atrair esse coletivo?

Charamsa – A igreja não faz nada para atrair essas pessoas! Eu trabalhava na Congregação para a Doutrina da Fé, que preparou, de 1975 até hoje, quatro documentos sobre a homossexualidade. Todos se referem aos homossexuais em termos negativos, não à luz da ciência moderna. Os documentos dizem que todo desejo ou ato homossexual não é humano. Como se pode falar assim de uma grande comunidade que sempre existiu em cada época da história?

BBC Brasil – Quando o senhor decidiu que era o momento de dizer ao mundo que é gay?

Charamsa – Sair do armário é um processo difícil e longo, mas hoje vejo o quanto foi necessário e salvífico para mim, me fez feliz, me fez forte. Ao tomar essa decisão, pensei também nas pessoas que por anos vivem em um armário de medo e de ódio.

BBC Brasil – Por que resolveu fazer esse anúncio justo às vésperas do início do Sínodo de Bispos?

Charamsa – Eu queria chamar a atenção da minha igreja que um sínodo que quer falar da família não pode excluir nenhum modelo familiar. Homossexuais, lésbicas e transexuais têm direito ao amor e a construir famílias. Mas até agora o assunto foi marginalizado e estigmatizado.

BBC Brasil – O sr. acredita que a Igreja Católica admitirá o sacerdócio sem celibato?

Charamsa – Isso certamente acontecerá. Diferente da igreja latina, na oriental um padre pode escolher ser celibatário ou casado. Celibato não é uma verdade de fé, é uma disciplina, uma imposição. Vamos em direção a um celibato opcional, muito mais saudável.

BBC Brasil – No Brasil, o Congresso discute o Estatuto da Família, que delimita o conceito de família para homem, mulher e filhos. Até que ponto a igreja influencia discussões desse tipo?

Charamsa – A igreja é uma autoridade mundial e em países latino-americanos sua influência é muito forte, mas pode ser fonte de profundo sofrimento. A igreja tem a ideia falsa de que homossexuais não podem formar família. Acredita que só buscam sexo. Isso é horrível. Não somos maníacos que buscam prazer sexual, somos humanos que buscam amor.

BBC Brasil – Nos últimos anos, a Igreja Católica no Brasil tem perdido fiéis para outras igrejas. Qual o desafio diante desse êxodo?

Charamsa – No Brasil, algumas comunidades evangélicas deram um passo importante para entender os homossexuais. Na Europa, entre anglicanos e evangélicos, já há um pensamento mais adequado sobre homossexualidade. A ética sexual necessita de uma profunda revolução, adequada a uma nova consciência de humanidade e sexualidade.

BBC Brasil – O senhor disse que lhe emocionaram as palavras do papa Francisco, voltando de uma viagem ao Brasil, quando afirmou: "Quem sou eu para julgar um gay?". Por que lhe marcou?

Charamsa – Estou muito agradecido ao papa Francisco, ele é um verdadeiro homem de Deus. As pessoas veem sua transparência, sua verdade, querem escutá-lo. O papa Francisco disse essa frase, mas na igreja há uma instrução de 2005 que julga todos os gays e contradiz suas palavras.

BBC Brasil – O senhor escreveu ao papa para explicar a declaração que faria. Acha que ele vai responder sua carta?

Charamsa – Não sei. Mas comuniquei ao papa Francisco meu estado de ânimo, de alma, de coração. Pedi que a reunião de bispos que ele preside possa discutir não somente a família heterossexual, mas todas as famílias.

BBC Brasil – Acha que a igreja vai proibi-lo de exercer o sacerdócio?

Charamsa – Sim, é possível.

BBC Brasil – Que planos o senhor tem? Pensa ser ativista dos gays católicos?

Charamsa – Ainda não sei, mas penso servir os valores da minha vocação. Sou um padre chamado por Deus como homossexual. Quem viveu tanto tempo no armário precisa de uma palavra de aceitação, esperança, reconhecimento de sua dignidade. Esta é a mensagem do cristianismo: o que podemos dar a esse mundo senão o amor?

Fonte: BBC Brasil / Igay

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